Depois de horas tentando me recompor com o plot twist no final desse filme eu finalmente consegui vir aqui escrever sobre ele. “Raw” (no Brasil traduzido tambรฉm como “Grave”), de Julia Ducornau, jรก estรก disponรญvel na nossa querida e amada Netflix. Apesar dele ter ganhado burburinho nos รบltimos meses por ter ganho diversos prรชmios – incluindo o FRIPESCI da Semana da Crรญtica de Cannes – e teoricamente ter feito muitas pessoas vomitarem, confesso que fiquei curioso (e muito).
No final das contas, “Raw” nรฃo tem nada demais pra te fazer vomitar – exceto por uma cena muito nojenta envolvendo cabelos que realmente me deixou enjoado – e chega alcanรงar a beleza graรงas ร sua fotografia e trilha sonora que sรฃo extremamente maravilhosas (alguรฉm sabe o nome da musica na cena do espelho?). Nele acompanhamos o inรญcio da vida universitรกria da jovem Justine (Garance Marilier), que estรก entrando no curso de veterinรกria.
Acredito inclusive que o filme foge um pouco do horror e encontra um lugar muito prรณximo ao drama, retratando o inรญcio da vida adulta de Justine e as relaรงรตes complicadas com sua irmรฃ mais velha Alexia (a belรญssima Ella Rumpf) e uma paixรฃo platรดnica pelo colega de quarto gay Adrien (Rabah Nait Oufella). Atรฉ agora eu to inconformado com essa irmรฃ dela.
O filme รฉ um respiro dentro do gรชnero – ao pensarmos nele tambรฉm como um horror, afinal de contas as duas irmรฃs gostam do sabor da carne humana – por trazer personagens femininas complexas, fugindo daquela merda de final girl gostosa e virgem. Trunfo alcanรงado principalmente pelo fato de termos aqui uma roteirista e diretora mulher, algo que vem crescendo dentro da cena nos รบltimos anos (um beijo pra equipe feminina de Mulher Maravilha).
Como todo bom filme de terror vindo de qualquer outro lugar do mundo que nรฃo seja Hollywood – neste caso da Franรงa (alguรฉm me ensina francรชs por favor?¹) – “Raw” traz ainda a maravilha de nรฃo ter o abuso dos jumpscares (aqueles famosos sustos nos filmes). O horror aqui estรก muitas vezes na contemplaรงรฃo, alรฉm do ato de canibalismo em si (รณbvio) e tambรฉm na expectativa que nos segura atรฉ o fim, porque a forma como as irmรฃs lidam com esta situaรงรฃo รฉ tรฃo crua – e por vezes descompensada – que รฉ claro que aquilo vai dar em merda alguma hora.
Do meio pro fim a vida de Justine vira quase um Polishop de horrores, e o final nรฃo deixa a desejar. Com uma fotografia belรญssima e o grande uso de luzes expressivas – e por isso mesmo uma grata surpresa ร queles que gostam de fugir do mais do mesmo – “Raw” รฉ um bom filme pra comeรงar o seu final de semana.